quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

SYMPATHY FOR THE DJAVAN: Análise da música "Açaí" e da poética de Djavan no geral



Salve Galera! Finalmente acabou este meu ano de sofrência que foi 2015! Quase fui pro beleléu algumas vezes, mas vaso ruim não quebra e nem acumula água parada, então cá estou aqui, vivo e ativo!

E, entrando em 2016, percebi que já fazia um tempo que eu não fazia análises musicais, né? Pois então, estimulado pelas tuiteiras Maura (@Causaturpis) e Amihashi (@Amihashi), decidi fazer uma análise não só desta música (ainda por cima de graça, só pra alimentar o blog e ver se ganho uns seguidores a mais no twitter mesmo), mas também do que está por trás do sistema de composição deste cantor tão cultuado dos anos 80 aos 2000 e tão execrado e satirizado nos dias atuais, fechando com um bônus surpresa ^^
A música em questão, pra quem não conhece e nem faz ideia do que falo:






Antes de lhes introduzir o tema a fundo, que tal umas preliminares? ( ͡~ ͜ʖ ͡°)

Na wiki oficial do cantor, há a seguinte descrição:

"As músicas de Djavan são conhecidas pelas suas 'cores'. Ele retrata muito bem em suas composições a riqueza das cores do dia a dia e se utiliza de seus elementos em construções metafóricas de maneira distinta dos demais compositores. As músicas são amplas, confortáveis chegando ao requinte de um luxo acessível a todos. Até hoje é conhecido mundialmente pela sua tradição e o ritmo da música cantada."

Estão lá, em negrito, itálico e sublinhado simultâneos, pra destacar bem, os pontos chave para se entender Djavan e seu status quo midiático. Ora, qualquer pessoa que tenha concluído o ensino médio certamente estudou metáfora. Porém, poucos devem saber sobre metáforas implícitas e clichés metafóricos.

Sem querer bancar o Pasquale, mas já bancando, segue um exemplo bem didático de Othon Garcia:

Por exemplo (subjetivo): um gato é um quadrúpede, mamífero, felino, que mia e é considerado sensual. Um moço é bípede, mamífero, humano, fala e pode ser sensual. Ao compararmos os dois com a metáfora "Esse moço é um gato", o traço de significado que provavelmente estaremos colocando em intersecção é apenas o traço sensual

Chamamos de "clichê metafórico" uma metáfora tão comum na linguagem que já chegou a ser dicionarizada. No caso do gato, tudo que for relativo ao gato real (p. ex. "ronronar", aqui usado em lugar de "acariciar") pode ser usado para inserção direta/indireta de um gato metafórico no contexto, criando-se assim uma metáfora implícita.

Assim, temos:

- Comparação comum: "Aquele moço é sensual como um gato"
- Metáfora comum: "Aquele moço é um gato"
- Clichê metafórico: "Amiga, o gato tá vindo pra cá, o que faço?"
- Metáfora implícita: "Ele já chegou ronronando no meu cangote"(o "ronronar" é próprio do gato)

Isolemos aqui a primeira ferramenta para a proposta interpretativa atual.

A segunda é a referenciação. Indagado pela complexidade de suas músicas, especialmente esta, no programa "O som do vinil", apresentado por Charles Gavin, Djavan decide explicar qual o sentido de um dos versos mais estranhos da MPB:

“Não há nenhuma pessoa que viva no norte do Brasil que não entenda que o açaí é a fruta que faz com que a subsistência daquelas pessoas esteja garantida, porque é uma fruta abundante, barata, muito nutritiva e com ela se faz tudo. Por isso açaí guardiã. Todo nortista entende esse verso”, conta Djavan, que nasceu e cresceu em Maceió, Alagoas, um estado do nordeste. Agora o verso faz sentido, não é mesmo? A lógica extremamente simples é a mesma para os outros versos do refrão. “Zum de besouro, um imã” é explicado assim: “todo mundo que gosta da natureza, é impossível ouvir um zunido qualquer e não se interessar por quem o está produzindo; por isso, um imã”. E, por fim, “branca é a tez da manhã”: “se você acordar às 5 horas da manhã em um dia nublado, a vida está branca”. 

Quando Djavan anuncia que “não há nada de nonsense nesses versos”, Charles Gavin já está balançando a cabeça entre sorrisos descompassados. Artur Xexéo, que também é citado no programa, já foi criticado em público pelo cantor por essa visão rasa de uma obra que pende, sim, para o lado subjetivo, mas que não é sem sentido. “Não há nada de nonsense nesses versos. O que há é a falta de alcance de alguns críticos que nos punem pela sua ignorância. E eu não posso fazer nada. O verso está ali, é lindo, e não há nada na minha letra que não faça sentido”. Abaixo, o vídeo na íntegra:




Ah, então as referências vêm do universo do norte e do nordeste do Brasil! E nós, que estamos no sudeste, ficamos sem entender patavinas, né?

O terceiro ponto é a questão da codificação poética. Todos sabemos que, quanto mais delicado ou espinhoso for o tema de uma obra poética, mais refinado será o uso dos simbolismos e figuras de linguagem. Podemos pegar um verso da própria música e detalhar como se dá este encadeamento de metáforas implícitas, sendo que, aqui, os símbolos de uma expressão estarão entre [colchetes] e os termos ocultos da expressão metafórica estarão entre (parênteses)

"A paixão, (é) puro afã [efêmera], (encanta como um) místico clã de sereia, (é frágil como um) castelo de areia, (devora o ser como uma) ira de tubarão"

Ou seja: é como aqueles exercícios de português do ensino fundamental em que você tinha de preencher as lacunas com os verbos conjugados da maneira correta, os artigos mais adequados, coisas assim, só que com poesia.

Desta forma, temos elementos suficientes para propor uma tradução poética ou monolíngue da música:

Solidão de manhã,
Poeira tomando assento
Rajada de vento,
Som de assombração,
Coração
Sangrando toda palavra sã


A paixão puro afã,

Místico clã de sereia
Castelo de areia
Ira de tubarão, ilusão
O sol brilha por si


Açaí, guardiã
Zum de besouro um ímã
Branca é a tez da manhã
Acordei sozinho de manhã
O vento carrega a poeira assente com um som assombroso
Falo o que meu coração sente com sobriedade, mas também com dor

A paixão é efêmera
Atrai, seduz
Mas se desfaz fácil
E devora o ser, é uma ilusão
Tem que saber ser feliz sozinho (fazer a própria luz)

Vou tomar um açaí pra dar uma força
Vou curtir a natureza
Estou em paz


Parece que temos aqui um Djavan que enfrenta a solidão de viver sozinho após uma desilusão amorosa e que busca se distrair com a natureza e as coisas simples da vida pra superar isto, não é?

De fato a tradução chega a ter um tom cômico (duplamente, por quem defende encilhadamente a poesia de Djavan e taxa como incompreensão da mesma qualquer forma de humor). Mas não deixa de ter um fundo de verdade. Mesmo assim, o que torna a canção bela e falta ser descrito nesta análise?

Lembram quando falamos das "cores" lá no Wiki? Haveria um lugar mais adequado pra falar de aplicação de cores do que a música (exceto se você conhecer o teclado sinestésico de Scriabin)? Sim, a PINTURA! No fundo, é isto que o artista está propondo com a música: que o ouvinte veja as cenas descritas e forme imagens, cores e sensações, criando um quadro na sua mente, com um amanhecer branco, um mar azul revoltoso, um filete de sangue vermelho, uma polpa de açaí bem roxa e muitas folhas verdes de árvores ao redor. Já que falamos de teclado sinestésico, está aí uma ótima aplicação do fenômeno.

Ou seja: podemos ter até "enjoado" de Djavan depois de tantos anos ouvindo versos que soam bonitos, porém ininteligíveis às vezes, mas neste processo podemos reconhecer algumas coisas importantes: 

1 - Não é porque uma ou mais pessoas não entendem uma certa forma de poesia que ela é inverídica;

2 - Todo artista/poeta é elevado por aqueles que reconhecem e admiram sua poesia (inclusive estruturas de mídia, como gravadoras, canais e revistas), mas como não são todos que "abraçam", praticamente nunca haverá uma unanimidade.

Fecho aqui com uma música que escrevi em 2003, porém nunca cheguei a gravar ou tocar. Um tanto bobinha até, mas refletia bem a situação que eu passava como músico da noite:


E é assim que fechamos a postagem e começamos o ano! E aguardem para novidades principalmente no campo autoral, pois é neste ano que pretendo formalizar as gravações do meu trabalho autoral! E este é apenas o primeiro de muitos vídeos! Estejam ligados, curtam, compartilhem e interajam!

E façamos 2016 ser a bola da vez!

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