sexta-feira, 21 de agosto de 2015

TEXTÃO NÃO-SOLICITADO - a redução da velocidade nas marginais: contextualização e adaptações



Salve galera! Nestas últimas semanas o que mais tenho visto no face foi gente reclamando ou apoiando as polêmicas políticas de mobilidade urbana da capital aplicadas pelo Prefeito Haddad, notadamente as ciclovias e a redução de velocidade nas marginais e em outras vias. Tinha que dar a minha opinião, mesmo sem ninguém ter pedido, até porque, se é meu amigo meu no face e segue meu conteúdo, implicitamente tá pedindo minha opinião SIM!


A redução de velocidade nas marginais coincidiu com o momento em que troquei de um carro com motor 1.0 para outro com motor 2.0 4x4, ou seja, o esforço para andar a 50 Km/h em uma marginal vazia à noite fez eu me sentir como se dirigisse um carro de desfile de escola de samba no início. Fora isso, previa vários argumentos contra a medida:

1 - Quanto mais lentidão, mais acúmulo de trânsito (parece óbvio, mas veremos mais pra frente que nem tanto);
2 - A medida não atingiria quem realmente deveria ser atingido (veículos que já ultrapassavam o limite antigo estabelecido, fora o fator extra-oficial da tolerância de uma hora para multas na mesma via);

Porém, com o tempo, fui me adaptando, já que não sou do tipo que fica reclamando de políticas públicas quando não faz parte dos grupos de militância e elaboração das mesmas. Nem sou do tipo que usa carro todos os dias: geralmente vou ao trabalho semanal de transporte público, usando o carro somente a partir da sexta à noite. Só não posso ir trabalhar ou estudar de bike devido à distância alta trabalho-residência e ao relevo altamente acidentado deste percurso, o que também me faria chegar todo sujo em caso de chuva, por exemplo. Enquanto isso, via amigos e conhecidos traçando suas opiniões.

Os mais inclinados à direita e ao "american way of li$e" não paravam de fazer piadas, conscientes de que todo ataque a tudo que é ligado ao PT é valido nos tempos atuais. Nesta área residem alguns tipos perigosos: são os que tendem a usar o carro pra tudo, até pra ir à padaria da esquina, e medem o sujeito pela marca do veículo que está portando.

Já do lado fefeleft, não faltaram comemorações por mais uma vitória contra os "carrofálicos", conscientes da participação na implantação de um projeto de "cidade-parque" onde 5 bikes ocupam o espaço de um carro de maneira duplamente saudável, combatendo o sedentarismo e a poluição. Claro que eles também me fizeram lembrar das assembleias tendenciosas organizadas pelos neomarxistas arrebanhadores da revolta juvenil pós-cursinho, do programa de governo municipal do PSOL elegendo o carro como "o grande vilão da cidade" e da postura pseudo-socrática dos militantes que valorizavam o debate desde que eles o vencessem ou que não se vissem bancando o pombo enxadrista.

Até que, hoje, pintou uma reportagem falando que o número de acidentes nas marginais caiu 30% em comparação com o período anterior à mudança nas velocidades. Reduziu a quase zero, aliás, o número de atropelamentos. Mas COMO ASSIM ATROPELAMENTOS NAS MARGINAIS? Este era o principal mote das piadas dos que eram contra a medida; afinal, quem atravessaria as marginais e para quê? Para pescar/nadar nos rios?

Parece irônico, mas há uma explicação real: os atropelados são, usualmente, vendedores ambulantes nos congestionamentos, moradores de rua ou embaixo de pontes ou guias de caminhoneiros, conhecidos como "chapas". Como a lei de multas a pedestres simplesmente não vingou aqui em SP e, ainda que vingasse, o público que aqui seria atingido é tão miserável que até os marronzinhos pensariam duas vezes antes de aplicá-las, sobra mais uma vez pro motorista, muitas vezes o privilegiado que deve dar a preferência. A própria OAB acabou entrando com uma petição para derrubar a nova lei tendo como base o argumento de que o motorista não deve ser cerceado por causa de pessoas que arriscam a própria vida conscientemente.

Porém, há um tabu oculto nestes números: os acidentes com motociclistas, estes sim campeões de ocorrências nas marginais. Oculto porque reside em uma zona cinzenta da relação entre carros e motos em SP (na verdade, no Brasil todo): a prática do "corredor", ou seja: o tráfego de motos entre faixas quando o trânsito de carros está lento ou parado. Usualmente, o motociclista é atingido quando um carro faz uma conversão de faixa, podendo ser fechado pela traseira do veículo ou empurrado pela lateral deste. Para todos os efeitos, o corredor é como a maconha e o jogo do bicho: ilegal somente no papel, mas se der alguma merda, a corda vai arrebentar para o criminoso por culpa prévia.

Deste tipo de acidente, houve redução de ocorrências, afinal, quanto mais devagar vão os carros e motos, mais tempo e precisão nas manobras e menor risco de colisões.

Geralmente respeito os limites de velocidade nas vias, independente de haver fiscalização nelas ou não, considerando que tais limites são elaborados tendo em vista segurança e estabilidade nas manobras, visibilidade de congestionamentos e pontos de ultrapassagem, tráfego de pedestres no entorno, etc. Aliás, ainda discuto com muita gente sobre este assunto, quando há casos em que o motorista está na faixa da esquerda, na velocidade máxima da via, e vem outro por trás em velocidade muito superior, forçando a ultrapassagem com farol alto, por exemplo.

E quem são estes apressadinhos? Para fins de metonímia, imaginemos um "patrão" detentor de um BMW 325i, uma Mercedes-Benz Kompressor ou um VW Passat CC, carros alemães na casa dos R$ 150.000,00. Em seus países de origem, temos as Autobahns, as rodovias com longos trechos sem limite de velocidade para carros de passeio. Tal "privilégio" é conquistado através de qualidade do asfaltamento, número alto de faixas por pista, entorno sem edificações ou acidentes geográficos e ausência de circulação de pedestres. Conhece alguma rodovia no Brasil assim? Difícil, né? Ou seja, para quê importar carros tão potentes se eles não foram feitos para as condições das vias daqui? Aliás, se rodovia estadual não é assim, imagine as nossas marginais?

Isso tudo serve para ilustrar outro fator que as reportagens têm deixado passar despercebido: o número de acidentes diminuiu porque também diminuiu o número de carros que circulam por estas vias. Ou seja: as marginais ficaram "desinteressantes" para os picas-grossas-sobre-rodas de plantão. Afinal, para quê andar a 50 Km/h pela pista local da Marginal Tietê sentido Penha quando se pode andar a 60 Km/h pela Av. Marquês de São Vicente, mesmo com semáforos, só para fins de exemplo? E isso porque estamos falando de gente que parece ter dinheiro para pagar tudo: o carro importado, as multas, os recursos para que sejam tirados os pontos da carteira, os funcionários do DETRAN que aprovarão ilegalmente os recursos, as manutenções e indenizações no caso de acidentes e até mesmo a exclusão da condenação por mortes em caso de acidentes, como demonstra o caso do "filho do Ivo Pitanguy" ocorrido recentemente. Se antes, a maioria das leis de trânsito não atingia este perfil de motorista ou não alterava o comportamento do mesmo, a atual redução parece aqui ter surtido "um pouco" de efeito.

Isso tudo mostra que um debate motivado por uma opinião no Face não dá conta de explicar a complexidade do problema. Claro que também achei esta redução exagerada. Porém, como vimos aqui, temos argumentos a favor e contra. Diante disso, sobram apenas duas opções: obedecer e incentivar a adesão, caso seja a favor, ou fazer lobby junto aos grupos contrários, caso compactue deles. Mesmo assim, queria deixar alguns recados aos posicionadões do conflito:

MILITANTES DA CIDADE-PARQUE-ESQUERDA-FOFINHA: Nem todos os perfis de habitantes da cidade serão beneficiados pelas medidas que vocês defendem. Alguns seriam prejudicados seriamente e ajudariam a derrubar tais projetos. Eu mesmo não me enquadro, e, dentro do contexto atual, não desejo me enquadrar no conceito de "cidadão do futuro" que pretendem fomentar para a metrópole atual. Logo, muito cuidado com essa estória de "exagero pedagógico" porque tende a manchar muito a imagem de quem o pratica;

REVOLTADOS DE FACE: sua revolta pode resolver muita coisa. Internamente. Te aliviará do estresse de todas as coisas que detonam o seu dia-a-dia. Externamente, não ajuda em nada. E pode ajudar a propagar ideias equivocadas sobre o ponto de vista que você está defendendo, o que só piora a situação (ex.: defesa da volta da ditadura no Brasil). Quer mudar a situação de verdade? Debata e associe-se com grupos que realmente têm influência e conhecimento na área (no caso do trânsito: CET, conselhos municipais, etc.) Argumente racionalmente. Xingar político, até papagaio aprende.

Enfim, como sempre, sou aquele cara que chega correndo, tropeça e, aproveitando que chamou a atenção de todo mundo, fala: "tá todo mundo errado!

No final de tudo, no particular sou contra a redução de velocidade das marginais. Mas, se no coletivo a medida está gerando bons resultados, que que custa apoiar e parar de reclamar? Sou contra muita coisa polêmica também. Criado na lei antiga, por exemplo, sou contra a lei seca atual. A lei antiga permitia até uma lata e meia de cerveja, mas se autorizam o brasileiro a tomar duas, ele toma 20! O que custa "se virar" perante a atual lei? O exagero pedagógico é válido, neste caso? Quais são as diferenças entre ser "legalista" e compreender uma lei e sua aplicação em sua totalidade? Viver urbanamente significa conciliar público/coletivo e individual/particular, e emitir opiniões equivocadas e tendenciosas na internet acaba sendo contraproducente nestas conciliações. Claro que somos livres para expressarmos o que pensamos e sentimos na rede, mas também somos responsáveis por este conteúdo propagado e, portanto, não estamos isentos de debates, contestações e piadinhas feitas por quem está mais entendido sobre o assunto, e é isto que faz com que algumas opiniões sejam mais sensatas e apoiáveis do que outras.

Obrigado por ter lido até o final. Pode voltar à sua função de comentarista de portal agora.

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