Salve salve, galera dos seguidores do blog, amigos do Face, arrobas do Twitter, parceiros do Dihitt e googladores em geral! Já estamos na metade do ano e todo mundo já tá nervoso pra cacete, né? Só desejando logo o fim do ano pra viajar, desestressar, etc...
E nessa de relaxar, tem entrado na moda uma estratégia que transita entre o über e a babaquice: os livros de colorir para adultos. Isso mesmo: se você está na faixa dos 30 anos deve ter ganho na infância aquelas revistinhas do Palhaço Alegria, dos Trapalhões ou da Disney para ficar pintando todo bonitinho, contornando com canetinha, preenchendo com giz de cera, ou mesmo rabiscando tudo fora de lugar com seus lápis de cor apontados nos dois lados (e sem pontas nos dois também). Pois agora que você está crescido, pode fazer esta atividade novamente com um pouco mais de critério para voltar aos tempos em que não estava tão cheio de preocupações, né?
E como isso tudo começou? Na minha visão, retorno um pouco antes do primeiro livro do gênero lançado e vou atrás do famoso "Destrua este diário" (Keri Smith, 2013, Ed. Intrínseca). Nele, a escritora promove uma atividade interessante, porém com ares de trollagem: o livro tem, em suas páginas quase em branco, uma série de tarefas estranhas que visam no ato de destruição a libertação do protagonismo e da criatividade, antes cerceados nos livros comuns. Assim, cada pessoa, mesmo seguindo as instruções, acaba criando a "sua" estória dentro do diário, que pode inclusive ser usado como diário mesmo. Alguns resultados são realmente dignos de quem "pensa fora da caixinha":





Agora sim podemos ir ao Jardim Secreto (Johanna Basford, 2014, Ed. Sextante), que se autoentitula como "livro de colorir e de caça ao tesouro antiestresse". A origem da proposta reside na arteterapia, técnica ocupacional moderna utilizada no tratamento de diversos distúrbios psicológicos e psiquiátricos que vão desde ansiedade até distúrbios psicóticos, como destaca o psicólogo Fernando Figueiredo Romeiro em artigo no blog Bolsa de Mulher. Ele conta que trabalhou numa clínica em que os pacientes gostavam muito de pintar mandalas.

De fato, Basford e outros autores já criaram outras variantes destes livros, incluindo as tais mandalas que geralmente lembram experiências psicodélicas à base de LSD, efeitos colaterais de remédios tarja-preta, experiências místicas e oníricas ou simplesmente gente que tende a desenhar com fractais mesmo que não saiba o que isto seja.
Não chego a ser um crítico deste tipo de arte. Pelo contrário: acho algo muito lindo e criativo. Inclusive me lembro dos saudosos tempos das aulas especiais com o arte-educador Jorge Praxedes, do CEPRO, onde cheguei a fazer coisas como minha própria mandala, minha própria bandeira, entre outras atividades lúdicas que mostravam muito de mim que eu mesmo não conhecia.
Porém, tendo a desconfiar de toda e qualquer modinha, seguindo ou não. E não se trata de sensor de hipster. É que o que começou como uma atividade que promovia o desestresse acabou virando uma competição na internet e, se era pra relaxar, passou a gerar mais tensão ainda: Segundo a pesquisadora Elisa Kozasa, para a Folha, a pessoa pode se sentir pressionada pela beleza da pintura de outras pessoas que ficam postando seus trabalhos em redes como o Instagram e o Pinterest.
É o mesmo aspecto psicológico manifesto nas pessoas que viajam para vários lugares, ficam tirando um monte de fotos, passando por várias atrações turísticas, mas em espaços de tempo tão curtos que não "aproveitaram" a viagem e nem conseguiram relaxar por conta da obsessão de gerar o máximo de provas concretas da realização da viagem (fotos, check-ins, lembrancinhas, etc.). É a ânsia de produção até mesmo nos momentos de lazer, como já abordado anteriormente no blog.
E, como esta moda começou entre os grandes empresários, administradores, executivos e outros endinheirados, também está ocorrendo outro fenômeno interessante: falta material para os desenhistas profissionais porque ele está sendo todo comprado pelos coloridores de plantão! A arquiteta Erika Rosa de Carvalho relata: "o desenhista por hobby ou desestresse poderia comprar um jogo de lápis ou hidrocores comum de até 24 cores, mas acaba comprando um Caran d'Ache aquarelável de 48, até de 120, ou um kit comemorativo da Faber Castell, que valem de R$ 1.700,00 a 5.500,00 e hoje estão zerados até nas importadoras. Fica difícil trabalhar assim".
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Tudo isso pra desenhar uma porcaria de uma coruja... |
Por um lado, esta moda tornará a vida destas pessoas e até mesmo a cidade onde elas moram mais colorida. Por outro, é mais uma moda que irá passar. Para "ilustrar" a dinâmica deste e de outros fenômenos, geralmente utilizo uma estorieta que li, acreditem se quiserem, em uma antiga coletânea de livros de contos folclóricos do mundo compilada pelo Paulo Coelho e distribuída pela Revista Caras (meus colegas de Letras vão cair matando EM DOBRO em cima de mim agora pela heresia): chama-se "A importância do gato na meditação".
Por que usamos gravata? Por que respondemos "de nada" sempre que alguém nos diz "obrigado"? Muitas vezes nos vemos fazendo coisas que os outros fazem sem saber suas origens e significados, o que ajudaria inclusive a pensarmos se estes hábitos devem ser mantidos ou não.
Em um mosteiro isolado no Tibete, havia um líder espiritual que atingiu tal nível de iluminação e sabedoria que se tornou o homem mais admirado e respeitado de seu vilarejo e de outros ao redor, alcançando fama pelo mundo através de narrativas em livros de viagens escritos por turistas. Morreu em silêncio, sem dor e com uma face tranquila. Chegou ao "nirvana", como seus pares relataram.
Muitos outros aprendizes e mesmo monges veteranos desejavam chegar ao seu patamar, mas não sabiam como ele havia conseguido e quais eram seus segredos, uma vez que não havia escrito livros e o pouco que se sabia dele era de registros externos de suas falas e preleções.
Ora, este monge tinha um gato de estimação. E este gato sempre estava com ele em suas meditações, tão tranquilo quanto o dono. Dentre todas as atividades, práticas e aprendizagens que o líder e os outros monges tinham, somente o gato parecia ser o diferencial. Logo, o gato era o segredo.
Assim, os mosteiros passaram a receber doações de gatinhos de todos os tipos. Cada monge tinha seu animal de estimação para lhe acompanhar. Houve efeitos positivos: não havia mais gatos de rua, abandonados. O próprio mosteiro recebia doações de leite e ração. Aumentou-se substancialmente as áreas com grama e areia dentro e fora do templo, por razões óbvias. Passados alguns anos, foram lançados livros como "a importância do gato na meditação", "Você e teu gato com Buda", etc.
Porém, havia um único monge que também havia conquistado um grande nível de iluminação e respeito, o qual preferia andar pelas ruas ou ficar em sua residência, chegando a ser comparado com o líder espiritual falecido. Quando foi visitado em seu lar, qual não foi o espanto ao verem que ele não tinha um gato! Todos ouviram surpresos a sua resposta:
"Não sinto que faça diferença. O que acho que faz diferença é a perseverança nos ensinamentos, o grau de paz interior, a experiência de vida e a observação do mundo, da natureza, das pessoas, com bastante senso crítico e responsabilidade nos julgamentos, todas essas coisas que geralmente aprendemos e praticamos. Além do mais, sou alérgico a gatos. A pelos em geral. Por isso não posso criar animais. mas isso não me impede de me dar bem com eles, ressalvados meus limites".
Pouco a pouco, foram os mosteiros que passaram a fazer campanhas de doação de gatos aos habitantes das vilas. Os mais selvagens voltaram à natureza. Passaram a lançar livros como "Livre-se dos gatos na meditação", "Sabedoria oriental para alérgicos", entre outros. Não havia mais a necessidade de se usar gatos na meditação, embora muitos deles tenham ficado bem "zens"...
Moral da estória:
Na ânsia de ser como os grandes e na preguiça de se trilhar os caminhos realmente percorridos por eles, muitas pessoas recorrem à mimese superficial, crendo piamente nela ou apenas para se ter um gostinho do prestígio do agente original. É o mesmo sentimento que move as revistas de fofocas e vidas de celebridades (Ih Caras, desculpa aí!), a cópia de bijuterias de famosos, a pirataria (em produção e consumo) de marcas caras, apenas porque Fulano de Tal fez ou usou. Assim, se esquece o caminho árduo que lhes levou até o topo e se sacia com uma pequena evidência dele.
Com certeza alguns dos ricos e famosos devem ter revelado que fizeram e fazem arteterapia (seja num day-spa ou em uma clínica para dependentes químicos) e aí todo mundo descamba a fazer a mesma coisa achando que vai ficar tão relaxado quanto eles e até mesmo que vai ter a mesma competência e sucesso deles assim que terminar as mandalas, desenhos bíblicos, jardins secretos e outras coisas que lhes derem às mãos.
Mas cabe a cada pessoa descobrir o que realmente lhe relaxa, lhe dá prazer e mesmo se isso dá algum produto útil ou agradável, compartilhável ou vendável, contrariando-se a interpretação errônea de "ócio produtivo" relatada lá atrás. Em meu caso, gosto de treinar no meu violão as músicas que só eu gosto e conheço, além de escrever as minhas próprias, ver vídeos de programas e comerciais antigos no Youtube, especialmente vinhetas em Scanimate, escrever no blog, ler livros, assistir documentários... algumas dessas coisas podem parecer besteira, mas são úteis pra mim.
Sim, vou experimentar colorir pelo menos algumas páginas de um livro qualquer, ainda que baixado em PDF, para não dizerem que falei de um assunto sem conhecimento de causa. E pode ou não dar certo. E pra você, leitor, é a mesma coisa. Mas olha, sinceramente, eu teria destinos muitos melhores para os cerca de R$ 2.000,00 que alguns coloridores estão gastando nessa onda. E, se eu tivesse este dinheiro sobrando, é certo que eu estaria naturalmente bem mais tranquilo hehehe...
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