quarta-feira, 6 de março de 2013

Marche! (crônica de um carnaval descoladamente tradicionalista em São Luiz do Paraitinga)



Há apenas alguns anos atrás, eu me encaixava no perfil de roqueiro revoltado pseudo-intelectual que odiava o carnaval, falava que só tinha putaria, descia a lenha na máfia dos desfiles e criticava as modinhas do funk carioca e do axé baiano (achando que conseguia esconder, claro, que era inábil no xaveco e no gingado, pagava um pau pras gostosas de bunda de fora e varava várias noites nos Xvideos da vida). Não à toa, a MTV fez um certo “humor” com a questão no especial Metaleza durante os 4 dias de folia.
Felizmente, esta mesma vida encarregou-se de me fazer enxergar horizontes mais amplos. Mais recentemente, graças à minha namorada, comemorei o melhor carnaval da minha vida. Aliás, me arrisco a dizer que foi, na verdade, o PRIMEIRO carnaval que pulei “de fato”. Aonde? Em São Luis do Paraitinga!
















Tá, mas aí você vai dizer “Peraí, carnaval mesmo se curte solteir@, se dá perdido n@ parceir@, inventa que vai fazer trabalho extra, viagem de negócios, etc.,”. Lodo engano, caro leitor. O carnaval é, antes de tudo, um feriado, que pode ser aproveitado em viagens, festas ou mesmo no sossego do lar. Quem está solteir@ e curte o momento tem mais é que limpar o trilho mesmo, mas quem está se relacionando pode muito bem explorar as opções acima, e São Luis surge como uma excelente alternativa.

Por quê? Primeiro de tudo, a cidade é o atual refúgio nacional da marchinha. A cidade festeja um carnaval no qual os blocos são de marchas escritas por moradores da cidade, as bandas da cidade só tocam o estilo e, vez por outra, entram no repertório algumas das marchas vencedoras do concurso municipal anual. É mole? Então puxa, que puxando estica!


No final, o esquema acaba agradando a três públicos:

1 – a galera saudo-reaça, que adora destilar chavões do tipo “carnaval hoje tá uma porcaria”, “bom era no tempo das marchinhas”, “antes não era tão bagunçado”, etc. Pela estrutura tradicionalista do carnaval, estas falas se calam e os “x-tões” pulam felizes no meio da galera;

2 – os universitops parafrentex que adoram lances de resgate e preservação cultural, fuga do mainstream e do zé-povinho, entre outros parâmetros de diferenciação, e;

3 – os foliões “mãos-de-vaca”, que embarcam no discurso de desvirtuação do carnaval após verem o quão injusto e contraditório é, numa festa que era “do povo”, desembolsar R$ 800 num abadá de um bloco puxado pela Ivete Sangalo, R$ 1000 num camarote da Brahma no Anhembi ou na Sapucaí ou a mesma quantia em uma fantasia para desfilar em uma escola. Conhecemos relatos de aposentados que recebem, no máximo, 2 salários mínimos por mês e, ainda assim, economizam cerca de R$ 200 por mês só pra desfilar na avenida. Fica o convite ao raciocínio: paixão justa ou vitimação?

De qualquer forma, Temos aí um carnaval dito “mais bonzinho” em SLP, que chega a ganhar o rótulo, algumas vezes, de “carnaval das famílias”. Afinal, uma das grandes preocupações que os pais possuem nesta época é a de como explicar para seus filhos porque apenas uma vez por ano os jovens e adultos ao redor deles se fantasiam, se travestem, se despem, se drogam, se beijam e se escondem pra fazer besteirinhas que eles suspeitam que seus pais também façam. Às famílias mais conservadoras ou que se esforçam pra pelo menos manter a decência, a “festa da carne” sempre se apresenta como um desafio (no caso dos evangélicos em sua maioria, basta dizer que o carnaval é do capiroto e torcer para que o adulto “siga na comunhão” em vez de ter de conviver com certas neuras).

Segundo o artigo da história do carnaval no portal Brasil Escola, o carnaval se originou na Grécia e na Roma antigas (entre 600 e 520 A.C), como um culto à deusa Ceres (Minerva, no romano), patrona da colheita e da fertilidade do solo. A Igreja Católica se apropriou desta festa (como o fez com o natal e a páscoa) por volta do ano 590 D.C. Era o Carne Vale, “prazeres da carne” ou “adeus à carne”, ou seja, aproveitar ao máximo todos os prazeres possíveis antes da quaresma (período de santidade que antecede a páscoa da ressurreição). O carnaval moderno, feito de desfiles e fantasias, é produto da sociedade vitoriana do século XIX, sendo Paris o principal exportador da festa com máscaras, que se transformou nos grandes festejos em Nova Orleans (o famoso mardi gras), Veneza (os lendários bailes de máscaras) Toronto, Nice e, claro, o nosso Rio de Janeiro, no qual a música europeia de banda que era tocada nos festejos evoluiu para o produto conservado em SLP: a marchinha.




Sendo Rio e Salvador as duas primeiras capitais do país e, ao mesmo tempo, as cidades com maior concentração de negros (herança do período escravista), o samba ganhou força entre as camadas excluídas do carnaval à moda francesa. Assim, surgiram duas formas distintas de se comemorar o carnaval baseadas neste estilo musical.

No Rio, apareceram os desfiles das escolas de samba, que queriam provar que podiam fazer um festejo tão elegante e cheio de cultura quanto o dos grandes salões. Graças ao esforço contínuo, o Rio possui hoje, registrado no Guinness Book, o maior carnaval do mundo, com cerca de 2 milhões de pessoas nos desfiles e blocos pela cidade. Em Salvador, apareceram os blocos do axé e do afoxé acompanhados pelos grandes grupos de batucadas e pelos trios elétricos.

Vale lembrar que o Carnaval de cunho greco-latino era comemorado imediatamente antes do inverno (entre 17 e 23 de dezembro), ou seja, antes mesmo do conceito de quaresma, havia uma espécie de preparação para um período de menor circulação de pessoas e mesmo maior isolamento, o inverno. Já o período católico da Idade Média criou o famoso cálculo de páscoa, o qual geralmente jogava o entrudo para o fim do inverno e início da primavera. Estamos falando de períodos ligados à produção alimentícia via colheita ou abate (talvez seja por isto que haja a figura do Rei Momo, cuja opulência era sinônimo de fartura) e também à reprodução (o que explica o lança perfume, simbolizando as flores abertas na primavera, e a permissividade sexual).

Quando exportaram a festa ao Brasil, ninguém previa as consequências da questão climática: nosso carnaval cai no ápice do verão! O excesso de calor e a riqueza de rios, córregos e praias favorecia a nudez, que já era naturalmente praticada pelos índios antes da colonização, além de toda lascívia e malandragem constantemente reprimidas pelos colonizadores e pela igreja. Em suma, Portugal sempre tentou fazer com que o Brasil se integrasse à Europa, do ponto de vista social, e nunca conseguiu. O status atual do carnaval brasileiro é uma das provas cabais disto. Tanto que, atualmente, tal festa não depende necessariamente de uma data pra ocorrer.

A moda atual são os carnavais fora de hora ou “micaretas” que ocorrem por todos os cantos do país. A indústria do entretenimento já se ligou nesta tendência brasileira de “carnaval o ano inteiro” e consagrou diversos festivais de música ligados indiretamente ao carnaval, como o Carnafacul, voltado especialmente ao público universitário. E, é claro, como esta tendência é reconhecida no exterior, diversas festas regionais têm recebido um “upgrade” para movimentar o turismo internacional, de forma que ele não fique centrado exclusivamente no período do carnaval. Este é um dos fatores que fazem com que a “ideia” de carnaval ganhe cada vez mais corpo e mais movimentação financeira.

Enfim, com maior crescimento populacional, melhorias contínuas nas técnicas de administração e organização de eventos e avanço tecnológico que favorece o compartilhamento de ideias novas e o ganho de velocidade no ciclo da moda, o carnaval evolui, como qualquer outro componente da sociedade brasileira. E, por questões biológicas óbvias, quem curtia o carnaval “das antigas” acabará não tendo aptidão física e mental para acompanhar os carnavais modernos, terminando por encontrar refúgio na tradição e na questão da moralidade.

Mas não parece que este seja o espírito real que está por trás do carnaval de SLP. Apesar do ritmo tradicional, as letras de algumas marchas têm insinuações com tons de maldade bem propícios ao carnaval:

(Bloco Bicho de Pé) Achei esta uma das marchas mais engenhosas. Primeiro, pela aproximação fonética de “coçar” com “gozar” em quase todos os versos. Depois, pelo “larga do meu pé”, ótimo pra se dispensar alguém com quem já se ficou e agora não quer desencanar.


(Bloco da Maricota) A Maricota é uma das mascotes mais famosas de SLP. A letra faz referências diretas à masturbação e aos bordéis de beira de rio. (Obs: eu fiquei justamente na “Casa da Direita e da Canhota” – as casas locadas e comércios fazem referência aos temas das marchinhas, fazendo com que a cidade ganhe uma isotopia de “um reino à parte”, pique Hopi Hari).






(Bloco do ETsão - dispensa comentários)

Quer dizer, da questão da permissividade moral, não há como fugir (só se você for para os festejos “paro-carnaval”, como o Rebanhão, por exemplo). Fora que, dos três tipos de públicos citados no início, o majoritário era, sem dúvida, o universitário. E estes têm “cacife” pra gastar bastante, tanto que as casas geralmente são locadas com open bar incluso e o comércio vende tudo superfaturado, como se todas as economias do carnaval mantivessem as residências pelo resto do ano. Então, qual seria o “segredo” de SLP?

Simples: a simplicidade (redundante, né?). O clima de cidade interiorana e a liberdade de circulação favorecem muito a desenvoltura e a interação, fora que o carnaval de marchinhas sempre remete à infância (bailinho de matinê, quem nunca, né?), o que traz mais alegria e jovialidade. Tem mais: a cidade é a última antes de Ubatuba na descida da serra, ou seja: cansou do carnaval? É só dar uma esticada até a praia e já era!

Além disto, a cidade entrou em voga na internet por causa da polêmica parceria da Prefeitura com a Skol, na qual seriam incluídos shows de outros artistas que nada tinham a ver com a tradição da cidade (foram anunciados Jorge Ben Jor, o DJ internacional Bob Sinclair e parte da equipe Furacão 2000). A galera tremeu na base, consciente de que, apesar da qualidade inquestionável dos artistas, a cidade não poderia perder o tradicionalismo do carnaval que sustentava o turismo, e aceitar tal proposta seria um tiro no pé. Houve intensa mobilização na rede até que a Skol mantivesse apenas parcialmente o patrocínio financeiro e deixasse o carnaval de SLP como sempre foi. Até hoje há quem suspeite que tudo tenha sido um engenhoso golpe de marketing, o que fez com que a cidade “bombasse” neste ano.

É aqui que eu faço uma relativa mudança em comparação com o início do texto. Podemos excluir aqui os tons pejorativos para as questões saudo-reaça e financeira e reconhecer que estamos apenas diante de mais uma opção de festa de carnaval, como várias, para vários gostos. E, para mim, esta foi tão inesquecível que mereceu a redação desta postagem. Então, no ano que vem, em vez de ficar bancando o bufão, seja no carnaval ou fora dele, vá curtir! Vá festejar a vida! Vá fazer amigos! Saia ficando por aí ou festeje com tua pegada fixa! Só não se esqueça de usar camisinha e de ficar longe do volante caso tenha bebido! Independente de gostar de samba ou não, vá curtir o carnaval!

Nem que seja começando por São Luís do Paraitinga.

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