Pois é galera! Finalmente depois de tanto tempo posso voltar a escrever com tranquilidade para este blog, ainda que 4 ou 5 gatos pingados leiam!
Esta postagem não é necessariamente de minha autoria: estou compartilhando aqui dois textos que li em setembro de 2011, dois meses imediatamente antes do resgate da Radio Rock na frequência 89,1 em São Paulo. E não é vergonha nenhuma assumir aqui que gosto de rádio e um dos meus sonhos AINDA É trabalhar em uma.
Mas os textos são altamente esclarecedores para a próxima postagem de minha autoria. Um foi feito em 2006, logo após o fim da referida Rádio Rock. O outro, em 1999!
89 FM, o fim da rádio rock
Há algumas semanas, os ouvintes da “rádio rock” foram pegos de calças curtas, do nada surgiram as primeiras notas falando sobre as mudanças na programação da 89 FM e, ao contrário da Brasil 2000, que todo mundo comentou que se transformaria em uma rádio de esportes, as mudanças efetuadas pela Rede Bandeirantes de Rádio foram feitas de forma discreta, mostrando que, talvez, a lição da Brasil 2000 – negócio que não saiu do papel e hoje todos os envolvidos negam – tenha servido para alguma coisa.
Primeiro contrataram o ex-diretor artístico da Metropolitana, Waguinho, depois começaram a demitir locutores que davam cara para a 89, Zé Luiz e Luka, e agora a mudança na programação. Tudo isso em pouco mais de algumas semanas e sem causar tanto estardalhaço entre os amantes da rádio. O motivo? Perda da audiência para outras redes de rádio, como Metropolitana, Jovem Pan, Transamérica e Mix. Culpa de quem? Dos ouvintes que, como foi bem lembrado pela Magaly Prado em seu blog, estão preferindo ouvir os sons da moda – axé, funk, dance e pagode – e do próprio mercado que exige que a emissora seja cada vez mais rentável.
Todo mundo sabe que uma rádio precisa de ouvintes para conseguir sobreviver, quando estes ouvintes começam a migrar para outras emissoras é sinal que algo está errado na programação e a mudança é inevitável. A 89 não é primeira, nem será a última rádio a mudar de estilo – a própria 89, no final da década de 80, já havia flertado com o pop, tirando até mesmo a palavra rock do seu slogan e tocando Noel e Information Society em sua programação. Nos anos 90 a 97 FM, uma das primeiras emissoras a apostar na segmentação de sua programação, abandonou o rock e abraçou a música eletrônica, a dance music com ótimos resultados para as finanças da empresa. No Rio, a Fluminense FM, a primeira rádio rock brasileira, também mudou de ares quando viu seus ouvintes, e rentabilidade, rarearem. É o sistema capitalista, paciência.
Só que se engana quem acha, ou achava, que a 89 era uma rádio rock. Não basta um slogan para transformar sua programação em algo mais roqueiro. A 89 era uma rádio pop, movida a jabá e antenada nos artistas que fazem sucesso lá fora. Ou seja, não arriscava, apenas reproduzia as paradas norte-americanas e tocava o que as gravadoras queriam. Agora a tendência é que tal influência seja ainda maior. A gana por mais audiência e, conseqüentemente, mais anunciantes vai tomar conta da programação. Você, ouvinte da rádio e que ainda agüenta, pode ter certeza, vai ouvir cada vez mais as mesmas canções repetidas durante toda o dia. Se já estava cansado de ouvir três, quatro vezes a Pitty em menos de 8 horas de programação, saiba que vai ouvir mais ainda.
Engana-se, ainda mais, se você acha que é quem manda na programação das emissoras. Você, infelizmente, não manda nada, sua lista de pedidos não tem a menor influência na programação, nem mesmo nas tais paradas de sucesso espalhadas por quase todas as FMs. As canções presentes nos Top 10s da vida são escolhidas a dedo pelas próprias gravadoras que pagam pra que a música entre na programação (é provável que depois de massacrar nossos ouvidos tal canção consiga sobreviver por conta própria, mas até isso acontecer muito dinheiro entrou na conta das rádios). Sim, é o tal do jabá que todos os envolvidos negam que existe. Seu poder, caro ouvinte, é pequeno, mas a sua fuga é rapidamente sentida nos cofres dos departamentos financeiros destas empresas.
Tutinha, dono da Jovem Pan, em entrevista à revista Playboy afirmou com todas as letras que para uma música tocar na rádio a gravadora tem que pagar. Não importa que o artista tenha milhares de pedidos, não pagou, não toca. A 89, assim como todas as outras rádios – em maior ou menor escala –, trabalha desta forma e dificilmente vai mudar sua forma de agir, deixando o ouvinte de mãos atadas.
O que resta? Comprar mais discos, baixar mais músicas pela net, ir atrás das novidades por si só, já que as rádios deixaram de cumprir com tal obrigação há muito tempo e seus donos estão bem pouco preocupados com a sua opinião.
Agora, se você for daquele ouvinte que não está nem aí para novidades, quer mesmo é que sua música favorita toque 10 vezes por dia e sempre pede as mesmas canções quando liga para sua emissora favorita... então não existe nada que alguém possa fazer. Você é o ouvinte padrão, aquele que todas as emissoras querem, um cara que não enche o saco pedindo canções esquisitas e que apóia toda e qualquer mudança feita pela rádio. Na verdade você é que é feliz, porque se contenta com pouco e não gosta quando inventam de colocar na programação aquele artista que lançou um disco independente na Inglaterra, mesmo que depois este artista se transforme em sua banda favorita, afinal, estourou lá fora, está bombando na sua rádio favorita, então deve ser bom. E não existe dúvida, o grosso das pessoas que ouvem de rádio, de qualquer uma, é formado por este tipo de ouvinte, por isso as nossas FMs são tão ruins.
E para onde vai o público descontente com a 89? As duas únicas saídas são a Brasil 2000 e a Kiss FM. A Brasil tenta sobreviver mesclando sons mais comerciais, com outras canções mais alternativas. A Kiss é para quem curte classic rock e mais nada. Entre os prós das duas rádios está uma maior variedade de canções e estilos. Já os pontos negativos são os mesmos, a repetição das mesmas canções durante a programação. E a culpa é toda sua, ouvinte!
Mas é bem provável que boa parte da audiência da 89 continue com ela, as mudanças na programação só serão sentidas por uma minoria e é bem capaz que a nova programação realmente funcione e aumente o número de ouvintes da rádio.
A nota extremamente triste foi a total falta de profissionalismo da nova direção da 89, demitindo locutores por e-mail e desconsiderando totalmente o público que, apesar de tudo, ainda curtia a programação da rádio.
Ainda bem que existe a internet.
Para ir além
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Publicado originalmente no site Drop Music.
Sobre o Jabá
A música brasileira entrou num impressionante processo de decadência. Errado. A música brasileira continua boa como sempre. Há grandes compositores, cantores, instrumentistas. Mas não é possível dizer que estejam em atuação. Tentam atuar. Não têm onde. Tentam viver da arte – tolice. São dentistas, fiscais do INSS, professores, motoristas de táxi, balconistas, colunistas de jornais – essas atividades garantem a sobrevivência. Tomam tempo – a criação artística, que é a atividade principal (estamos falando de artistas) acaba sendo deixada para as horas possíveis. A música brasileira que toca nos rádios, na televisão, nos grandes palcos, nos estádios, nas festas de São João, no carnaval, nas convenções de criadores de gado é que está em decadência. E só ela que aparece. A outra música, a boa, existe, mas não aparece. A culpa é dos radialistas, dos que montam trilhas sonoras de televisão, dos executivos das gravadoras, dos produtores de discos e espetáculos, dos marqueteiros da indústria de entretenimento. Essa gente criminosa está transformando, conscientemente, coração em tripa. É responsável pela seleção do que você ouve e deixa de ouvir. Essa gente está assassinando o que há de mais rico em nossa produção cultural. E ganhando muito, muito, muito dinheiro.
É essa a idéia. Ganhar dinheiro, e dane-se o resto. Um disco, na indústria, não é chamado de disco, mas de "produto". O produto precisa vender. Para que o produto venda, precisa ser exibido. Até agora, apenas regra de mercado, nada demais. No entanto, para que seja exibido, paga-se ao exibidor – ao programador de rádio, ao apresentador de programa de auditório televisivo. Como são muitos, os produtos, sobe o cachê do exibidor. É uma prática antiga, tem até nome: jabá.
Paga-se o jabá para que a música toque, sempre foi assim. Mas o mecanismo perverso foi ficando mais perverso. Quem pode pagar mais, consegue maior número de execuções. Isso é reproduzido no País inteiro. Quem pode pagar mais, escolhe o que você vai ouvir. E você fica achando que é só aquilo que se produz de música. Porque é só aquilo que está ao seu alcance. Quem não paga, não toca. Não existe.
Há alguns anos, uma igreja evangélica comprou a rádio FM Musical, de São Paulo, capital. Era uma rádio que só tocava música brasileira. Praticava o jabá, como todas, mas como a audiência era menor, o preço era menor. O que permitia o acesso às ondas sonoras a alguns artistas menos conhecidos – os tais que são dentistas ou fiscais do INSS. Às vezes, até sem pagamento de jabá programava a execução deles. Misturava um pouco de "música de mercado" e de música de verdade. Talvez por isso não tenha resistido. Há práticas alternativas de jabá. Um famoso letrista fez um disco independente, comemorativo de tantos anos de idade e de carreira. Armou pequeno esquema, alternativo, de distribuição do disco. Fiou-se, talvez, no nome famoso. Ouviu dos intermediários dos programadores de várias rádios: "Dá um aparelho de fax para ele que ele toca seu disco."
O retorno do investimento dos que pagam mesmo o jabá, o dinheiro alto, sai da venda de discos e shows, da venda de bonecos, camisetas, roupinhas para crianças, sorvetes, biscoitos, bicicletas, sandálias, lancheirinhas, pegadores de cabelo, batons, perfumes, roupas de cama e banho, coleções de lápis de cor ou o que se possa imaginar que possa ter estampada a marca do "ídolo". O "ídolo", por seu turno, cumpre a maratona de estar presente em todos os programas televisivos de auditório, garantindo audiência que vende os anúncios que sustentam os programas e fazendo a roda rodar, o preço subir. A presença do "ídolo" pode mesmo ser indireta: o apresentador Raul Gil, da TV Record, prepara novos consumidores da bunda-music promovendo concurso de imitação do rebolado da Carla Perez, ex-É o Tchan. As candidatas têm 5, 6, 7 anos de idade.
Não há questão moral a ser considerada. O negócio é dinheiro. Um bom compositor, cantor, instrumentista vai ter de se submeter a determinados imperativos (ditados pelos que pagam a execução) ou fica de fora. Quem não entrar no esquema não aparece. Quem quer entrar no sistema precisa ter muito dinheiro – precisa pagar mais ainda, porque as "vagas" são limitadas. Se entra um, sai outro. Por isso existem as vogas, as ondas – um ano de música sertaneja, um ano de axé music, um ano de falsas louras bundudas, um ano de pagodeiros de butique, um ano de forró deformado, desforrozado (é o que se anuncia: preparem-se). E o preço vai subindo, a cada nova etapa da substituição.
Só quem entra no esquema, claro, é a grande indústria, que tem o dinheiro – e que inventou o esquema, afinal. No início da década de 90, o compositor Ivan Lins, com seu parceiro Vítor Martins, fundaram a gravadora Velas, para dar voz a uma quantidade imensa de músicos que eles conheciam, mas que estavam fora do mercado. Nomes como os de Edu Lobo, Fátima Guedes, Almir Sater, Pena Branca e Xavantinho, Guinga. Aliás, o primeiro disco da gravadora foi o primeiro disco de Guinga. A Velas tinha uma proposta musical alternativa ao padrão imposto pela grande indústria. Montou estrutura, divulgação e distribuição nacionais. O vendedor da Velas ia ao lojista oferecer o produto. Ouvia: "Quero, mas não vou pagar agora, pago se vender." Três meses depois, voltava o vendedor, para oferecer novo produto e cobrar o outro – que havia sido vendido. Ouvia: "Quero o novo, mas não pago o antigo, porque tenho de pagar à multinacional Tal, ou ela não me entrega a dupla sertaneja Qual & Pau."
Acontece que a dupla sertaneja Qual & Pau (pense na que quiser: Leonardos, Chitãozinhos, ou substitua dupla sertaneja por grupo de pagode ou por banda de axé) tem música na trilha da novela, paga para tocar em todos os programas de auditório e em todas as rádios – como o lojista pode ficar sem a dupla? Então, o lojista paga a gravadora que tem sob contrato a dupla sertaneja e não paga nunca a Velas, que tem o Edu Lobo (que infelizmente não tem música em novela nem toca em programa de auditório, muito menos no rádio). Perda por perda, o vendedor da Velas deixa o novo disco, sem receber pelo antigo – e assim a coisa seguiu. Em algum tempo, a Velas faliu. Está, no momento, porque os sócios são loucos idealistas, tentando voltar ao mercado.
Ou seja, estamos falando de economia, de lobbys, de pressões, não de música. Disco é negócio, todos sabemos. Precisa pagar-se, dar lucro. A questão é que os executivos do mundo do disco concluíram que o povo é burro e só vai consumir música burra. Então, o executivo da fábrica X inventa um grupo de pagode, paga para que ele apareça muito, etc. O da fábrica Y diz: "Este filão dá certo, vou nele", e inventa um grupo de pagode que imita aquele primeiro. É só o que eles fazem. Clonam-se uns aos outros. Se o Chico Buarque fosse bater à porta de uma gravadora hoje (Chico sabe disso, já disse que sabe disso) ouviria que sua música é "difícil" e não se enquadra nos "padrões da companhia". O mesmo com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Egberto Gismonti, Edu Lobo, Tom Jobim, Noel Rosa, Zeca Pagodinho, Cartola, Nélson Cavaquinho, Wagner Tiso: todos "difíceis", fora do padrão.
Claro: é preciso contratar o pagodeiro barato porque ele é orientável. Faça isso, faça aquilo, cante assim, vista-se assado, vá ao programa tal, diga tal coisa, mexa as cadeiras desse modo – e, sobretudo, não faça música. Ninguém trataria assim o Chico Barque – e já que ele não pode ser tratado assim, como coisa, como objeto, como ponta-de-lança de uma campanha de vendas, então afaste-se o Chico Buarque. Ele é "difícil".
Enquanto isso, o ouvinte vai acostumando o ouvido com as barbaridades criadas nos laboratórios de marketing das companhias de disco – padres cantores, traseiros cantores, sadomasoquistas cantores, falsas louras cantoras, negões vitaminados cantores. E perde a capacidade de comparar – comparar com o quê? O padre cantor com o traseiro cantor? Não há diferença. O ouvinte fica sem possibilidade de julgar (na verdade ele pensa que está escolhendo o grupo pagodeiro tal, quando, de fato, só sobrou para ele o grupo pagodeiro tal).
E os criadores... Bem, os criadores, os artistas verdadeiros, que existem, quase ninguém sabe, vão resistindo o quanto podem. Um dia, desistem – os novos Chicos e Caetanos, as novas Elis Reginas e Nanas Caymmis, os novos Jobins e Fátimas Guedes um dia desistirão. Precisam comer, vestir-se, sustentar filhos. A ganância dos executivos está promovendo um massacre da cultura brasileira que talvez não tenha similar na história da humanidade. Estão matando de fome o que temos de mais rico – nossa música. Matando de fome a inteligência e a sensibilidade.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo em junho de 1999.
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