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sábado, 19 de janeiro de 2019

Série "Artigos Antigos" - Problematização da fotografia enquanto arte

Ora ora, do que é hora agora? hora de tirar poeira do blog e depois da renovação de domínio!
E por que só fazer isso agora, depois de um ano inteiro sem postar nada? Primeiramente porque tinha que arranjar algo para fazer enquanto tomo sol e dou uns mergulhos aqui no clube perto de casa! Afinal, também tenho direito de aproveitar o verão! Segundamente,porque a ferramenta de voz para texto do celular está me ajudando opacas neste ponto já que ultimamente me anda dando muita preguiça de digitar no teclado! Terceirizadamente porque bateu saudade, e pronto!
Mas a principal das razões é a de que eu havia decidido no início de 2018 que eu tinha muito que viver e melhorar a minha vida em vez de ficar discutindo sobre as coisas que os outros fazem (um descoladinho de internet que eu seguia quando tinha Twitter dizia que essa teorização excessiva era muita falta de chupar c* - de fato a vida é muito mais do que sexo, especialmente os homens deveriam perceber isso - mas essa de viver intensamente admito que já meti a língua em muitos buracos onde nenhuma Adriana jamais Esteves e o mais importante é que saí limpo, porém não sem alguns machucados )
Enfim, depois de concluir minha pós-graduação, focar na recuperação do meu pai, voltar a exercer liderança profissional, vomitar todas as pessoas tóxicas da minha vida, trocar o fumo, a imaginação excessiva e a filosofia de porta de boteco pela natação, pelo prazer na leitura e pela participação em grupos de maior identificação intelecto-cultural (notadamente associar-me à Mensa Brasil fez uma diferença extremamente positiva neste ponto), AGORA SIM me dou o direito de voltar a postar no blog, sem expectativas nem projetos novos que nunca sairão do rascunho no Word!
E, nessa de transferir conteúdos de um computador para outro e limpar a minha nuvem de backups, tenho encontrado artigos da faculdade que valem a pena ser compartilhadas por aqui, já que esta era a proposta inicial do blog quando o criei. Daí vem o título da série: "artigos antigos" - espero que curtam! E não esqueçam de seguir a página pelo facebook e pelo Instagram!

PROBLEMATIZAÇÃO DA FOTOGRAFIA ENQUANTO ARTE

O par de versos de Drummond “Fotografia – é o codinome / da mais aguda percepção” soa como uma paráfrase da famosa expressão “uma imagem vale mais do que mil palavras”, que na contemporaneidade poderia ser substituída por “um programa midiático vale mais do que mil imagens”. A via oral para manutenção de tradição e transmissão cultural foi, no decorrer dos séculos, perdendo terreno para a via escrita, e esta segunda, a partir de meados do século XX, passou a ser um recurso combinável (e não único, isolado), assim como as artes plásticas, a fotografia, a filmagem e tantos outros, dentro da via multimidiática. Frise-se que a midialogia, além de ganhar recentemente o status de ciência no Brasil e no mundo, é atualmente a 5ª graduação mais concorrida da UNICAMP – 42,6 candidatos por vaga.1 Havendo atual necessidade de documentação ampla, diversificada e convincente (o que nem sempre é sinônimo de verídica) de acontecimentos e de ideias na comunicação globalizada, a foto enquanto logos ainda é um dos recursos mais expressivos e utilizados em nossos dias.
Por que “ainda”? A invenção de 1826 que deu origem à filmagem, entre outros recursos multimídia que a utilizam como componente, detém o atual status de arte por exigir bem mais do fator humano (técnico, criativo) do que do tecnológico. É necessário ter feeling, enquadramento, dinamismo e ampla participação social como testemunha ou participante documentador. Viver para fotografar e fotografar para viver. E quem não tem perfil de fotógrafo, mas não deixa de ter ideias para trabalhar com imagens? Pode “apelar” para a Computação Gráfica. Segue abaixo uma imagem onde técnicas de fotografia e de manipulação de imagens tanto se contrastam quanto se combinam:
Não que os “photoshops” da vida sejam uma ameaça à arte de fotografar; trata-se de recursos e objetivos opostos, mas que podem ser combináveis entre si. Em linhas gerais, a principal diferenciação pode ser: fotografia como captura da realidade, computação gráfica como geração de fantasia.
Ora, não é à toa que a fotografia é tão simultaneamente descolada e enaltecida na era contemporânea, tomando como ícones tanto pessoas reais, como o mítico Albert Kahn, quanto fictícias, como a “heroína” Amelie Poulain, cujo filme é uma aula de fotografia em cinema. Mas some-se a isso a facilidade de acesso ao recurso através das câmeras digitais e das embutidas em celulares, laptops e tablets que o século XXI trouxe ao mundo e temos um interessante fenômeno social urbano: “todo mundo” quer, tenta ou pensa que pode ser fotógrafo.
O colunista Luis Antônio Giron, da Revista Época, defende em seu artigo O Instagram e a cegueira2 que “O aplicativo está estragando as nossas visões de mundo. Pior: aboliu os fotógrafos de verdade” (note-se a aproximação fonética entre “Instagram” e “estragando”). O Instagram é um misto de aplicativo e rede social que aplica filtros profissionais em fotos comuns de celulares e as compartilha entre usuários conectados entre si, fazendo com que qualquer jovem se sinta o novo J. R. Duran. E o mais inesperado é que os próprios fotógrafos profissionais ou semi-profissionais estão se valendo de tal recurso, conforme descreve o colunista: “Na luta pela sobrevivência para enfrentar a atual seleção natural imposta pela tecnologia, os fotógrafos estão se tornando usuários como quaisquer outros. Usam filtros que eu também posso usar, e me fazer passar por gênio do olhar ‘cool’. Com os artifícios do Instagram, todos os usuários são capazes de produzir imagens digitais tão curiosas que podem se autodenominar fotógrafos – mas os resultados se mostram não tão impressionantes que possam ansiar o status de artistas. Usuários e fotógrafos se nivelaram – e por cima, por meio da alta tecnologia.”
Seriam os novos “Antonino Paraggi” de Ítalo Calvino, obcecados por fotografar tudo ao redor de suas vidas justamente para fugir delas. Pessoas que viajam ou chegam numa festa ou happy-hour e passam mais da metade do tempo na mesma tirando fotos entre si ou dos arredores e compartilhando informações nas redes sociais do que efetivamente aproveitando o momento. Como disse Susan Sontag em Na caverna de Platão, “[Sendo] um modo de atestar a experiência, tirar fotos é também uma forma de recusá-la”. Na tentativa de se capturar o instante decisivo, se perde-o, e é aqui que o par de versos de Drummond pode passar a ser iniciado com a expressão “nem sempre”.
É por causa de “cabacices” tecnosociais como esta que perdura-se nas gerações mais maduras de cada época a tendência de se enxergar cada nova tecnologia (e atualmente surge uma a cada dia) como oponente da arte, e não entidade coexistente com a mesma. Como se a própria fotografia já não tivesse sido tecnologia de ponta e inimiga da pintura, que após esta fase foi reinventada a cada autor ou movimento e chegou a um patamar de multiestéticas praticamente ininteligíveis para pessoas comuns ou sem alta instrução artística.
Agora, se a arte de fotografar foi “banalizada”, é também em grande parte porque as contemporâneas mídias sociais facilitaram ainda mais uma ação humana presente desde os primórdios da humanidade: a cópia. E esta sim pode ser considerada a real inimiga da arte. Conforme considera Walter Benjamin, “Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra”. De fato, ver o Guernica de Picasso no Museu de Reina ou numa imagem da internet não chega nem perto do que deve ter sido ver o mesmo painel na Exposição Internacional de Paris ou no Pavilhão da República Espanhola nos tempos da Guerra Civil e do levante do nazismo. Mas já que tal sensação é inalcançável no presente contexto, surge o anseio pela cópia como “o máximo que se pode alcançar” desta sensação. E, hoje, tanto técnica quanto tecnologia permitem que a Monalisa surja tanto em quadros falsificados que atingem, digamos, 95% de fidelidade, quanto em estampas de camisas e canecas para turistas.
O mesmo Benjamin defende que esta “aura” da existência única se perde na sua existência serial, o que, atualmente, é impossível de se evitar. Qual é a salvação, então? Interferindo subjetivamente, acredito que esta aura na verdade esteja em outro local de qualquer obra de arte que seja. Para exemplificar, migrarei da fotografia e da pintura para a street art.
Como ex-membro de uma das várias “grifes” de pixação que tocavam o terror no patrimônio público e privado geral nos anos 90 quando adolescente, ainda conservo relações com alguns “trutas de função” que migraram do pixo para o grafite artístico ou profissional e, em alguns casos, destes para a street art. Meu colega August6669, que hoje atende a pedidos de grafitti/street art comercial, citou em uma de nossas conversas (transcrição “de memória”):
“- Não é que eu cobre caro. Eu dou um valor pra isso porque as pessoas ‘pagam um pau’(admiram) para o que eu faço na rua mas não sabem como fazer. Eu aprendi a viver disso. Mas o que eu faço dentro da casa ou no muro da pessoa nunca vai ter a mesma qualidade do que eu faço na calada da noite por duas coisas. Uma: na rua eu expresso a minha ideia, não a que o cliente quer que eu expresse por ele; duas: eu não vou ter lá, no conforto do lar e com a autorização do dono, a adrenalina de estampar lá fora uma ideia que eu quero que todo mundo veja, que entenda, que ache legal, não vou ter a ‘brisa’ de enfrentar os ‘gambé’ (polícia), os vizinhos X-9 (delatores), a liberdade de parar no meio quando quiser ou precisar e ir amadurecendo na mente a continuação pro momento seguinte, pra quando eu voltar lá...
- (eu) Então Adrenalina, brisa, liberdade, não só influenciam teu trabalho como são parte dele...
- Eles são A PRÓRPIA STREET ART EM SI. Esse é o meu 100%.”
Com isso, acredito que a verdadeira “aura” da obra de arte pode não estar nem na sua originalidade, que não é imune à cópia no contexto atual e futuro, nem no contexto na qual ela se insere. Ela pode estar tão somente no ato realizador do artista em si, no feeling e na percepção aguda da fotografia, na entrega técnica e sentimental da música, na condução múltipla de elementos da filmagem, entre outros casos. Ainda que se aperfeiçoem e se enriqueçam exponencialmente as hermenêuticas e eróticas das artes múltiplas, a melhor maneira de se entender e se sentir uma arte ainda será: sendo um artista.
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